quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Crônica- O Enterro

Fatos reais vividos por mim em 2007. 

Mergulhada nos lençóis da minha cama e afogada em minha profunda insônia, eu me revirava sem parar de um lado para o outro. Eu lutava contra meus pensamentos à procura de uma migalha de sono, mas nada, cada vez mais insônia eu encontrava.
Eu escutei uma voz vinda da rua e barulho no enferrujem do portão, era uma voz baixa e melancólica que tentava em seu engasgo de choro, chamar pelo nome de minha mãe. Ao escutar, sem hesitar, saltei da cama, e senti o ar frio tomar conta do meu corpo, mas a curiosidade e o medo eram tanto que nada fiz; percebi que eu não era a única a escutar aquela voz, meu pai também saltou da cama e foi abrir a porta que dava para a rua, e um susto lhe fez arregalar os olhos, eram meus parentes. Deparei-me com o relógio que marcava quatro horas da madrugada, olhei pela fresta da porta e vi minha tia, sem hesitar, corri e chamei minha mãe, que assustada se levantou e eu disse que havia acontecido alguma coisa, e nós duas nos dirigimos para à porta da sala e demos de cara com minha tia em prantos, ela abraçou minha mãe e disse: -irmã, a mãe morreu! Essas palavras ecoaram nos meus ouvidos e eu as repeti: - Minha avó morreu!
Meu corpo deslizava pela parede até encontrar o chão, permaneci ali alguns minutos, que pareceram uma eternidade, em prantos e imóvel. Meu pai me levantou do chão e me despertou da névoa dos meus pensamentos, um som terrível de choro e gritos invadiram meus ouvidos quase me ensurdecendo, corri para o meu quarto, peguei um casaco e joguei por cima do pijama, para proteger meu corpo daquela manha fria, que seria o velório da minha tão amada vozinha. Em profundo silêncio abracei minha mãe e entrei no carro; o rosto desolado dos meus pais e o rostinho confuso e triste do meu irmão caçula me entristecia profundamente.
Descendo do carro percebi que o velório era em um lugar simples. No caminho longo até a porta, várias pessoas me abordaram, me abraçaram, mas eu nem se quer respondia. Ao chegar a porta vi o caixão parado no centro da sala e cheio de coroas de flores em volta e várias pessoas abraçadas e chorando. Enfim, dei meu primeiro passo rumo ao caixão, mas minhas pernas estavam pesadas, parecia estar com pedras amarradas, dificultando o meu percurso. Na verdade é que meu subconsciente não queria ver minha avó ali, naquela situação, mas meu ego precisava ter certeza desse acontecimento. Meus olhos mergulhados em lágrimas fixaram naquela aterrorizante imagem de um caixão, me senti naquele momento protagonista de um filme de horror. Cada passo que eu dava meu coração acelerava, quando cheguei em frente ao caixão eu vi a pior imagem que meus olhos já captaram e uma cena que jamais sairia da minha mente. Minha avó, minha linda e amada segunda mãe, envolvida por rosas e vestida com a roupa da Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, suas delicadas mãos enrugadas pela idade pousadas sobre o peito com um terço preso entre os dedos, seus cabelos claro como a neve, penteados, os olhos nus, sem seus óculos, e sua pele com uma essência que se misturava com das flores. Coloquei-me ao seu lado, delicadamente pousei minha mão sobre a sua e aproximei meus lábios de sua testa enrugada, dando-lhe um beijo de carinho e respeito, então percebi que ela estava muito pálida e fria. Fiquei alguns instantes fitando-a, lembrando de nossas vidas juntas e pedindo perdão pelas minhas faltas e rebeldias, foi então que percebi que ela já não estava ali e olhei para a imagem na parede de Jesus na cruz, e com o gesto do sinal da cruz, pedi para Ele que recebesse e protegesse essa sua filha tão amada.
Uma mão delicadamente me afastou do caixão, e um homem pagou a tampa escura e fechou a minha avó naquela escuridão, e ela mergulhou naquele profundo crepúsculo. Parecia que ele havia acabado de retirar uma lasca do meu coração. Todos nós como uma procissão fomos até a cova onde o corpo de minha avó iria se decompor. Mesmo sabendo que ela já não estava ali, mas estava no céu ao lado de Deus, a dor era dilacerante e me corroía por dentro. O caixão começou a se emergir naquela cova e quando ele já estava inserido nela, eu joguei uma rosa e os homens começaram a jogar terra sobre o caixão. Então meu coração encheu-se de fúria e meu corpo tentou partir para cima daqueles homens para impedi-los, mas uma mão me segurava, impossibilitando minha fuga. Eu fiquei ali parada vendo a cova ficar toda coberta de terra. Quando esse terror acabou, eu cai de joelhos na terra vermelha do chão do cemitério, abaixei a cabeça, sentindo o vento fazer meus longos cabelos voarem, cravei meus dedos naquela terra à procura de um consolo que se perdia no sopro do vento.

Rafaela Molina

2 comentários:

  1. O tema do Enterro nos traz grandes reflexões acerca da História da Morte e tudo aquilo que esta entorno de uma das áreas menos pesquisada nas ciências humanas. Essa crônica é muito interessante numa discussão sobre este tema! Atualmente estou indo para o Vale Histórico para começar uma pesquisa acerca dos cemitérios locais e criarmos um roteiro de História da Morte! Os mortos são as memórias que remontam a própria vida!

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  2. Que interessante sua pesquisa, eu sinceramente, não conhecia essa área de pesquisa. E acredito que os mortos Valeparaibanos têm muitas histórias para contar rsrs. Boa Sorte!

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